sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

RELATOS DE EDMAR BEZERRA ...


Falando da história de Reriutaba tenho que citar o nome de Edmar Bezerra. Dotado de uma base cultural indescritível. Sabia muito sobre o nosso torrão. Filho do casal, Alfredo Silvano e Marizinha. Reriutaba perdeu esse filho ilustre em Julho de dois mil. A família guarda um grande acervo de relatos escritos por ele. Agora decidiu dividi-los com os conterrâneos. Em Agosto do mesmo ano de seu falecimento, a família publicou no jornal O Povo um dos artigos. Com o titulo; Tempos difíceis...no passado.
“O primeiro rádio do município de Reriutaba, então Santa Cruz, foi Chico Pinto, do distrito de Amanaiara, antigo Sinimbú. Esse receptor funcionava a bateria, tinha três faixas de onda, larga, media e curta, segundo a terminologia da época era de fabricação americana. Logo que a noticia se espalhou, gente de toda parte, a léguas distantes, acorria para ver de perto a novidade de que já falavam os coixeiros-viajantes. Por isso, às noites do povoado ganharam grande animação e, aos domingos, até dança havia, ao som do rádio-baile da P.R.A-8, Rádio Clube de Pernambuco, a emissora mais potente do Nordeste, nos idos de trinta e nove. A sonoplastia do programa era tão perfeita, o vozeiro, as palmas, que muita gente acreditava ser uma festa acontecendo em Recife. Foi por esse rádio que, pela primeira vez, o povão escutou a transmissão de um jogo de futebol. E logo o quê?! Brasil e Argentina, pela Copa Roca-39, no Rio de Janeiro. Estradas cheias de gente, a pé, a cavalo, de trole, uma empolgação danada. Mas, para frustração dos torcedores, àquela hora da tarde, era impossível captar o sinal das emissoras do Rio. A Vera Cruz ainda furgiu no áudio, fraquinha, logo sumiu de vez. O jeito foi a sintonia da Rádio Belgrano de Buenos Aires, pela onda curta. Mesmo com algaravia do locutor argentino - mal entendia-se o nome de algum jogador brasileiro -, o povo não arredou pé. Ouvia-se bem a expressão “ de punta a punta” e ao grito de “gole.e.é”, palmas, abraços e fogos, na certeza de que era a nosso favor. Saímos dali festejando a vitória, mas o sonho acabou com a chegada do trem, no dia seguinte: a manchete dizia que Brasil havia perdido feio, de cinco a dois. Do malfadado episódio, restou a graça de Assis Lopes, comediante nato, que imitava com perfeição a fala ligeira do locutor argentino, misturado com a oscilação da onda. Logo logo o coronel Agrípio Soares,interventor na época, instalou em sua residência o primeiro rádio da cidade. O sucesso foi uma reedição do pioneiro, com o ajuntamento de gente, formando-se até sereno no terreiro da casa, não faltando as tradicionais bancas de café. Em fins de mil novecentos e quarenta, com a inauguração da luz elétrica, gerada na usina de beneficiamento de algodão, surgiu o rádio de corrente, de designe moderno, recepção clara, uma beleza, mas o preço acessível apenas aos mais abastados, de modo que contava apenas meia-dúzia, nas residências dos coronéis, e apenas um em local público, no bar do Antenor Paulino, onde todas às noites um grupo de senhores se reunia, para ouvir a Voz do Brasil e a BBC de Londres. Vivíamos, então a ditadura getuliana e a segunda Guerra Mundial, na Europa. Interessante, o tabelião Leopoldo Macedo, participante assíduo, logo aos acordes de O Guarani e das badaladas do Big Bem, características desses programas noticiosos, botava os óculos de grau, como se fora ler ou escrever, comportamento que nem o capitão Mamede Aquino, com a sua proverbial indiscrição, conseguiu descobrir o motivo. Naquele tempo, o rádio era uma só vez artigo de luxo, que conferia “status” ao possuinte e insondável mistério para muitos. Tanto que, o salineiro Horácio Lira, meio ingênuo, ao indicar o endereço onde se hospedara em Fortaleza, ilustrava que, na casa do lado direito, tinha um rádio. E o vaqueiro do coronel Gentil, ao ver um rádio no refeitório do Hotel Bitu, perguntou ao patrão, que caixinha era aquela tocando. O patrão mandou o mulato calar a boca e lhe respondeu que era um rádio. O mulato falou que era mesmo sem sorte, pois lá, o raio matava e na capitá, o danado tocava. Tudo isso são reminiscências de tempos difíceis, de atraso e pobreza, quando poucos tinham condições de comprar um simples rádio."

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