sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A galinha de Reriutaba .


"O camarada andava triste como o diabo .Seca brava , bodeguinha no fim. Ninguém comprava nada . Não aparecia um pé de pessoa . E ele ali , no quintal , coçando uma verruguinha de estimação que tinha na lateral do pé .

De repente álguem falou : "Enrola o fio de cabelo nesta verruga que ela cai ."Quem falara? Todos estavam lá fora , na bodega . Estaria ouvindo vozes ?

A mesma voz insistiu : " Você quer se livrar da verruga ou não ?"


E ele viu que se tratava de uma de suas galinhas. Sim , e uma de suas três galinhas que lhe restavam no quintal estava falando com ele , dando conselhos , opinando sobre sua verruga . Achou que delirava . Devia ser de preocupação .

Entretanto , foi novamente interrompido pela ave que se aproximou e explicou claramente :não era uma galinha comum . Tinha o dom da palavra . Era inteligente . Além disso , possuía outros dotes . Cantava , fazia imitações , recitava cordel , dançava lambada . Queria sair dali de Reriutaba , vir para Fortaleza tentar carreira artística .

Era inacreditável . Chamou a mulher ,os filhos , o cunhado . Queria ver se funcionava com eles também ou se era como aquele vidente de Baturité que era o único que via Nossa Senhora na nuvem e ou via a mensagem da santa , embora uma multidão de crédulos estivesse em volta .

No caso da galinha deu certo . A danada falava pra quem quisesse ouvir. Era uma artista e seu destino era o estrelato .

Depois daquele momento de assombro , a família começou a pensar em dinheiro. Sim , senhor , aquela galinha fabulosa era a salvação . Deus se lembrara dele . Levariam a Lucivalda ( puseram o nome na hora) para Fortaleza para apresenta la na televisão . Depois, seria o Rio de Janeiro , São Paulo , o mundo .

Pegaram o ônibus e se mandaram de lá .

O primo , que morava em casa humilde do bairro Henrrique Jorge , viu a tropa de parentes chegando assim sem avisar e ficou preocupado .E mais preocupado ainda quando lhe contaram que aquela galinha (soltaram a dita cuja na sala) era falante e muita coisa mais . Como o primo não acreditasse e a galinha não se manifestasse , começaram a discutir . A porta da casa aberta , os donos explicando exaltados suas qualidades, a galinha escapuliu para a rua .

Quando a caçaram para uma demonstração , cadê a bicha?

Correram para fora , mas já era tarde . Era o tempo do prefeito Cambraia . Apesar da alvura do nome resolvera despejar na cidade uma hemorragia de asfalto . E logo naquela rua estava passando o rolo compressor que ...coitada da galinha! Não passava agora de uma chapinha no preto e compacto chão .

O reriutabense enlouqueceu. Todo o seu futuro estava ali , esmagado. Completamente esmagado .

Berrou tão alto que o homem do rolo compressor parou e a vizinhança inteira saiu para ver do que se tratava . Em torno do que fora o falante galináceo três interioranos desesperados exclamavam sua desventura .Dava pena .

De repente viu se a chapinha tremer . Parecia uma asa querendo sair do asfalto . E saiu . Assim como outra asinha ,com muita dificuldade e , depois de algum tempo , toda Lucivalda estava em pé , ressuscitada , embora bastante avariada .

Diante do círculo de curiosos , a galinha , um olho perdido , a asa quebrada ,toda torta , toda suja , falou :

-Isto que é galo e não aquelas porcarias lá da Reriutaba!!! "


Crônica ; A galinha de Reriutaba .

Livro ; O vaqueiro gavião e outros causos da boca do mundo .

Autor ; Juarez Leitão .

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